Após mais de duas décadas de negociações, a União Europeia e o Mercosul alcançaram um marco histórico com a conclusão do Acordo de Livre Comércio, em dezembro de 2024.
Esse tratado, um dos maiores acordos bilaterais de livre comércio do mundo, promete transformar as relações econômicas e políticas entre os dois blocos.Neste novo artigo da VDI, você confere em uma entrevista exclusiva com o professor e Doutor pela Universidade de Oxford Vinícius Rodrigues Vieira, que leciona Relações Internacionais na FGV, o que esse acordo representa para o comércio entre os países dos blocos, principais benefícios e desafios para a exportação e importação, e o que muda para as indústrias de matriz alemã com filiais no Brasil.
A mudança de conjuntura internacional que viabilizou o Acordo Mercosul-UE.
O acordo Mercosul-União Europeia começou a ser negociado no fim do século XX, mais precisamente em 1999 entre os países integrantes dos dois blocos, com o principal foco em comércio de bens. O acordo levou quase 25 anos para ser concluído devido a discordâncias ambientais e econômicas.
Para o professor Vinícius, uma “mudança de conjuntura internacional”, nos últimos anos, propiciou a celebração do acordo em 2024.
O fato de a Argentina estar sob um governo de viés liberal na economia – sob o comando do presidente Javier Milei – a necessidade de diversificar as parcerias comerciais do Brasil e o receio da União Europeia em ser “engolida” pelos mercados americano e chinês são algumas das razões que convergiram para a concretização do acordo.
Agora, com as mudanças de necessidades e a evolução dos dois blocos, o tema voltou a entrar em pauta e ambos os lados possuem interesses em dar sequência ao acordo.
Um novo fôlego para a indústria alemã no mercado sul-americano.
Com a assinatura do acordo Mercosul-UE, a Alemanha, que vinha perdendo terreno em mercados como o brasileiro, ganha novo impulso para retomar sua competitividade no setor industrial.
“A Europa, nos últimos 25 anos, principalmente a Alemanha perdeu muitos mercados, reduzindo ainda mais a sua competitividade perante à China em setores como máquinas e veículos. Com o acordo Mercosul-UE, a Alemanha volta a ganhar força no mercado sul-americano, podendo exportar máquinas e carros para o nosso mercado e, mais do que isso, pensar em fazer investimentos”, afirma o professor Vinícius.
Ainda segundo ele, o Brasil já tem uma grande presença de indústrias alemãs, o que pode fortalecer não apenas a importação de produtos industrializados de empresas com matriz na Alemanha, mas também filiais e eventuais indústrias que ainda não têm presença física na América do Sul.
As expectativas para o Brasil também não deixam a desejar. Ele afirma que o Brasil precisa urgentemente diversificar suas parcerias comerciais, pois a dependência da China, com 90% das exportações baseadas em commodities, torna o país vulnerável. O acordo com a Europa oferece uma oportunidade estratégica para o Brasil, permitindo que o país avance na reindustrialização e diversifique sua pauta de exportações para além dessas commodities.
Além disso, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela que a assinatura do acordo pode gerar um aumento de 0,46% na economia brasileira entre 2024 e 2040.
E quais são os desafios?
A celebração do acordo entre os blocos pode marcar um novo capítulo nas relações comerciais entre os países membros. Porém, como afirma o professor, a efetiva implementação do tratado está condicionada à superação de diversos obstáculos políticos e econômicos.
O primeiro ponto a ser pensado é se o acordo será de fato implementado em sua plenitude, já que as provisões comerciais dependem da aprovação dos parlamentos. “Em alguns casos, como na Bélgica, depende de parlamentos regionais, o que configura um processo complexo”, diz Vinícius.
Além disso, o acordo pode fomentar o lobby agrícola na Europa, em oposição à indústria, e o lobby associado a setores nacionalistas, preocupados com questões verdes.
Oportunidades que ultrapassam fronteiras.
Apesar das incertezas e resistências iniciais, o tratado demonstra um grande potencial para gerar benefícios mútuos, impulsionando o crescimento econômico e a criação de empregos em ambos os lados do Atlântico.
Hoje, o acordo tem ganhos para ambos os lados, configurando um jogo de ganha-ganha e não um jogo de perde-ganha, no qual as indústrias alemãs irão engolir as indústrias do Mercosul. “Pelo contrário, pode ser decisivo para a reestruturação, recuperação e a reindustrialização do Brasil e Argentina também” – finaliza o professor.